.....Era um tempo inocente.
Era um tempo inocente.
Um tempo de romance, frio na barriga,
telefones fixos que tocavam na hora do jantar e todas saíam correndo da mesa
para atender rezando para que do outro lado da linha estivesse o seresteiro da
noite anterior.
É, havia serenatas onde homens apaixonados tocavam violão para
suas pretendentes debaixo da janela…
As mulheres eram preparadas para o casamento.
Sabiam
cozinhar comidinhas deliciosas para antes ou depois do amor (como dizia
Vinicius de Moraes).
E, mesmo depois de fazer faculdade, de sair para o mercado
de trabalho e serem bem sucedidas nesta tarefa, continuavam sabendo cozinhar,
nem que fosse só no final de semana.
Depois vinham os filhos, as promoções nos empregos, a
mudança de casa, de cidade, de país até. E as mulheres continuavam sabendo
cozinhar.
A gente sabia que o que cativava mesmo o sexo oposto era
aquela beleza natural, um pouco de barriguinha, cabelos soltos sem chapinhas,
formol, apliques, alongamentos artificiais.
E, acima de tudo, era bom ter
sempre por perto uma refeição deliciosa, preparada com amor e afeto.
Havia um
ditado que dizia "homens, a gente agarra pelo estômago!
A mulher modelo da brasileira era a Sonia Braga nos seus 18
anos: morena, bem feita de corpo, natural, cheirando à água do mar, emanando
pétalas de rosas pelo sorriso branco de flor de laranjeira!
A morena eternizada, por Jorge Amado: cravo e canela,
Gabriela!
Antes de começar a imitar a mulher americana, a mulher
brasileira tinha cara e corpo próprios. Seios não se compravam na farmácia e
bumbum era feito de músculos e não de plástico.
A alegria vinha do fundo da alma, herança dos índios, dos
negros, da mamãe África.
Éramos felizes todos os dias do ano!
A gente não
comprava a felicidade em cartelas e com prazo de validade.
Êxtase era um sentimento que a gente nutria por nove meses e
explodia quando o médico acolhia um novo filho chegando a este mundo!
Claro que havia a droga circulando por todo o planeta.
O que
não havia era a abertura que hoje há para se falar dela. Talvez por isso este
assunto estivesse tão distante de nós.
Os tabus eram tantos que, recordo-me com precisão, quando
alguém tinha câncer na família esta palavra não era pronunciada.
A pessoa
estava com CA.
Acredite se quiser, mas os procedimentos terapêuticos de um
psiquiatra eram tão pouco conhecidos que havia um olhar de susto e medo quando
alguém deixava escapar o segredo: um adolescente do bairro estava frequentando
um psiquiatra... mas em outra cidade!
É, a gente caminhou muito, muito mesmo!
Mas, lá no fundo, no fundo, sinto certa saudade dos tempos
inocentes.
Havia um mistério por vir, um desafio a ser compreendido, uma
profunda esperança no futuro que adentrava um pouco a cada dia.
No silêncio da formalidade, na calada da noite, no intervalo
entre um acorde e outro, pulsava uma curiosidade que nos impulsionava para o
conhecimento.
Ele vinha impresso em livros, era passado através de
apostilas, traduções, horas de conversas e atenção nas salas de aula.
Que eram
limpas, tinham cortinas brancas, carteiras envernizadas, professores
excepcionais, capazes de motivar toda a turma, hábeis na magia de revelar o
novo.
Para os quais a gente levava todas as manhãs uma maçã vermelha. E dos
quais recebíamos, ao longo de um largo tempo, um canudo azul.
Parece que me lembro que, nesta ocasião, a gente usava uma
fantasia. Acho que era uma beca e uma toga. A gente ia em bloco desfilar com
este canudo depois de recebê-lo. Só não consigo me lembrar quem confeccionava
estas fantasias…
Mas sou antiga e minha memória não anda boa.
Por favor, não me leve a mal.
Hoje é carnaval.
( Izabel Telles )
( Izabel Telles )